Ciclo da Esmeralda

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Costa Brites

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As páginas web das iniciativas ou das pessoas normais têm nomes de lógica imediata: Abertura, Apresentação, Início, Home, etc.
Para abrir a página de Carlos Faria desejei tê-lo junto de mim para saber se estava de acordo com “Ciclo da Esmeralda” como porta de entrada e apresentação do seu espaço internáutico. Apercebi-me logo que sim e nem hesitei. Aos novos leitores que não tenham conhecido a pessoa ficam a saber que aqui não se faz cerimónia em surpreender pelo pequeno gesto poético; quanto aos velhos amigos que o conheceram nada estranharão que assim seja porque isso lhes traz à lembrança o largo gesto poético que era coisa tão natural em Carlos Faria, cidadão do mundo e de São Jorge.
Já havia antes convidado um amigo para fazer as honras da casa e ele fez o favor de aceitar. Começamos pois pela apresentação da personalidade cultural e poética de Carlos Faria da autoria de Urbano Bettencourt, que aparece em jeito de prefácio no seu livro “São Jorge Ciclo da Esmeralda”, publicado em 1992 pela Câmara Municipal das Velas.

Carlos Faria

— de Nova Iorque às Fajãs de S. Jorge

Quando, em 1979, a Delegação em Lisboa da Cooperativa Semente (mais tarde autonomizada em Grupo de Intervenção Cul­tural Açoriano) trouxe a público a primeira edição de S. Jorge — Ciclo da Esmeralda, fê- lo sem a preocupação de querer pagar fosse o que fosse a Carlos Faria. Isso não significava, porém, que não se tivesse consciência de quanto os Açores de finais dos anos sessenta eram devedores a Carlos Faria, em termos culturais; pelo contrário, era bem presente a noção de que há dívidas que não se pagam ou porque excessivamente elevadas ou porque a sua origem radica em actos de puro dispêndio e desinteressados, cuja importância e valor são impossíveis de contabilizar, de reduzir a cifras — e, no caso de Carlos Faria, sobrepõem-se as duas circunstâncias.
E hoje ponto assente e objecto de opinião consensual (1), o papel determinante desempenhado por “Glacial” como elemento aglutinador de um significativo grupo de escritores açorianos que, na pluralidade das suas escritas e na diversidade dos rumos en­tretanto por elas tomados, têm como matriz referencial esse suple­mento cultural iniciado por Carlos Faria, em 15/07/1967, no diário angrense A União e nele mantido durante quase seis anos (o último número saiu a 23 de Maio de 1973). Falava eu em “aglutinação”, mas importa não esquecer a componente de “renovação” que atravessa “Glacial” e de que ele se torna veículo, num nítido propósito de abertura a outros mundos culturais, ideológicos, estéticos.
Natural da Golegã, mas deslocando-se frequentemente aos Açores por motivos profissionais, Carlos Faria torna-se o men­sageiro que estabelece pontes entre a ilha e o mundo, fazendo de “Glacial” um espaço de diálogo entre escritores açorianos, conti­nentais, brasileiros e africanos de expressão portuguesa, particu­larmente de Moçambique e Angola (aliás, a partir de 1972, David Mestre, angolano, passa a assegurar a coordenação do suplemento, juntamente com Carlos Faria, Santos Barros e Ivone Chinita).
Se é fácil constatar que a literatura não esgota os conteúdos do “Glacial”, também não é de menor importância referir que o in­tercâmbio desenvolvido por Carlos Faria ultrapassa de longe o mero campo jornalístico e se estende ao domínio das artes plásticas, nomeadamente no apoio à galeria “Gávea” que o pintor Rogério Silva dinamiza em Angra, aproveitando uma dinâmica que vinha da revista com o mesmo nome e que fora de responsabilidade sua e dos poetas Emanuel Félix e Almeida Firmino. A “Gávea” traz até Angra nomes de referência da pintura portuguesa como António Palolo, Bartolomeu Cid, e expõe açorianos como Tomaz Vieira, Canto da Maia, e tornou-se “o centro cultural vivo e dinâmico [em que] se ensinou arte a muitos milhares de açorianos, se estimulou a cria­tividade infantil através de exposições em apoio a actividades escolares…” (2). Dinamizadora de colóquios e debates e assumindo também o papel de editora, a “Gávea” estendeu ainda a sua ac­tividade a outras ilhas, entre elas S. Jorge, num processo que, hoje, só parecerá “normal” ou banal a quem, redutoramente, esquecer (ou fizer por esquecer) as reduzidas disponibilidades de então, uma época em que nem ao longe se ouvia ainda o tilintar dos milhões da CEE e em que os americanos, embora se espojassem já pelas Lajes, não rendiam dinheiro nem sequer material bélico em segunda mão.
Sem a pretensão de fazer a história desses anos, pois para isso remeto os leitores aos livros e texto anteriormente citados, o que atrás se escreve fica apenas como um apontamento corrido capaz de ajudar a compreender as razões que levaram a que Carlos Faria abrisse, como um dos nossos, a Colecção Garajau-Poesia, da responsabilidade final do G.I.C.A. (3), e em que viriam ainda a ser incluídos A Humidade, de Santos Barros, Terra-mote ou a Destruição dos Búzios, de Emanuel Jorge Botelho, e o meu próprio Marinheiro com Residência Fixa.
Anteriormente ao seu livro de 1979, Carlos Faria havia já publicado Distância AzulPoemas do Mar e África (Angra do Heroísmo, 1957), Marinheiro Bêbado (Angra do Heroísmo, 1957, capa de Rogério Silva) e ainda Rosto e Diálogo (Lisboa, Ed. Lux, 1966).
Uma leitura do primeiro destes três livros que começasse por elementos tão acessórios e secundários como a data e o local da escrita dos poemas permitiria constatar a extrema circunstancialidade da sua génese, dos Açores à Madeira e à Guiné, de Cabo Verde às Canárias e ao Congo, documentada ainda por expressões como “a navegar para…” e “a bordo “. Ora toda a dispersão assim indiciada inscreve-se num outro plano mais profundo de significação, o da Viagem, e que o Poeta, simultaneamente seduzido pela errância física e pelas gentes e lugares que essa mesma errância proporciona, transforma em processo de Descoberta e (Auto)Conhecimento.
Se não passa de mera coincidência o facto de Distância Azul vir a público no mesmo ano de On the Road, de Jack Kerouac, importa ainda assim referir o valor que a viagem adquire enquanto sintoma de uma maneira de estar no mundo e em que a deriva traz consigo a marca e os sinais de uma permanente Busca:

“deixo meus versos caminharem pelo vento
com asas de outro vento que me conhece…
Faço deles marinheiros em busca de outras terras
por rios longos, navegáveis até mim!”.

De um ponto originário que é a Golegã, a poesia de Carlos Faria irradia em sentidos múltiplos por efeito de uma força cen­trífuga em que facilmente se podem ler os apelos da distância (azul) sobre a “natureza marítima” do poeta, a quem o mar “tem curado tudo o que a vida tem de doente”. Fascínio do mar, fascínio de espaços outros e de gentes também: o olhar deslumbrado do poeta não renega uma memória lusíada em que se repercute um saber que vem dos fundos tempos mediterrânicos, mas submete-se à visão in­tegradora de um mundo natural em que os homens e coisas per­feitamente se integram e relacionam de forma harmoniosa:

“Quem guarda o meu brasão de rei do Congo?

Camaradas! Eu fico por aqui, perto do sol,
nesta África de calor chamando corpos…
Casarei com mulher negra que tenha branca beleza
e os meus filhos serão da mulata cor da humanidade.

Que o meu Destino se vista de marinheiro!
Ele que parta. Eu fico missionário e amante.
Ensinarei canções. Dormirei versos…
………………………………………
Mas vou partir… E não consigo ir inteiramente!”

Em Rosto e Diálogo, Carlos Faria retoma o tópico de um mundo natural, mas já em confronto com o mundo civilizado e sobre eles projectando (a distintos níveis de significação) a figura do (bom) Selvagem: a ilha deserta e Nova Iorque erguem-se neste livro à categoria de espaços-símbolos de duas realidades antagónicas, mas que parecem, todavia, tender para a convergência num ponto comum:

“um homem numa ilha deserta
é como um homem na multidão:
— Ambos têm de contar com a esperança
como liberdade
e com a liberdade como ilusão!”.

De resto, se na ilha deserta “o silêncio é o Estado Político do Selvagem“, isso não implica uma ausência de comunicação, pelo contrário é condição para o diálogo com as marés, com “as asas das folhas”, com os “pássaros que poisam na prata da lua” e para a descoberta do “lago sem margens que é o mar”; e Nova Iorque enquanto espaço simbólico representa exactamente a destruição desse diálogo:

“Algemado pelo trânsito, vestido e rotu­lado,
O Selvagem está em Nova Iorque para o congresso dos ruídos,
para a morte organizada do silêncio…”

Num percurso poético constituído de Procura e Descoberta, Afirmações e Recusas, S. Jorge — Ciclo da Esmeralda é um lugar de chegada e de síntese, de Resposta (talvez definitiva) ás interrogações e ao questionamento que atravessam esse mesmo percurso: a ilha é ainda aqui um espaço privilegiado, mas perdeu a sua condição de deserta; a “multidão escondida” de Nova Iorque cedeu o lugar à comunicação inter-humana, manifesta até no simples “bom dia “dos pescadores, dito com

“estrelas na voz
e flores nas mãos calosas.”

Objecto de um olhar fascinado, S. Jorge eleva-se neste livro de Carlos Faria à dimensão de um lugar mitificado por força de um Tempo ainda humano em que os elementos físicos, humanos e sociais da ilha se interligam e entretecem uma teia de solidariedade, comunicação e cumplicidades — finalmente, rosto e diálogo. Re­gressado das, ou em fuga às, grandes metrópoles de cimento, vidro e fumo, o viandante comovido que é Carlos Faria aporta à ilha com a mesma atitude expectante e tranquila de Ferlinghetti “à porta do café do Mike” (em Oral Messages) e, descobrindo o caminho para o universo das fajãs, nelas vê o modelo ideal de um mundo que não se mede pela dimensão física, mas pelo Tempo e onde uma inocência original se surpreende ainda:

“Fajã dos Tijolos onde a lua só tem
metade do seu corpo
e as crianças
brincam às cidades com livros escolares!”.

Da ilha deserta a S. Jorge o que se ganhou foi o sentido do homem como ser-para-o-outro e o de ilha como “universidade” e “universalidade” também, espaço possível de todas as viagens.
Correndo embora o risco do pretensiosismo, citarei aqui o que escrevi em 1979: “Flagelado pelo drama antigo de partir ou ficar, Carlos Faria assume o compromisso de embarcar; porque embarcar não é partir, muito menos ficar, mas apenas um pretexto para ver a Ilha de fora e simular a ausência nunca realizada, impossível que é quebrar as raízes que se infiltram pelas frestas de lava até ao ventre em fogo do atlântico. E é no âmago da simulação lucidamente jogada que se encontram o momento e o espaço da solidariedade com os homens, com a terra, mesmo com as pedras e os bichos, num abraço total capaz de concretizar o projecto supremo de reabilitação pública e universal do colectivismo das abelhas”(4).

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Urbano Bettencourt
Ponta Delgada, Fevereiro 1992

 (1) Bastará, por exemplo, ler o que escrevem Santos Barros (20 anos de Literatura e arte nos Açores, Lisboa, 1977), Pedro da Silveira (Antologia de Poesia Açoriana, Lisboa, Sá da Costa, 1977), João de Melo {Antologia Pa­norâmica do Conto Açoriano, Lisboa, Vega, 1978) Onésimo Teotónio Almeida (Açores Açorianos Açorianidade, Ponta Delgada, Signo, 1989) e também Álamo Oliveira, “Glacial — O cenário duma Geração “, texto ainda não publi­cado e que foi apresentado ao Congresso de Literaturas Insulares, Lisboa, 1990. O peso e a marca deixados por “Glacial” terão sido suficientemente fortes para se poder falar hoje de uma “geração Glacial”, embora Álamo Oliveira ponha algumas restrições ao uso do termo “geração” no presente caso.
(2) J. H. Santos Barros, “Rogério Silva como-se-tudo-fosse…”, ob. cit., pág. 45-46.
(3) As actividades do G.I.C.A. (e antecedentes), num período que vai sensivelmente de 1977 a 1980, não se limitaram ao plano editorial (onde se deverá também incluir a revista A Memória da Água-Viva) e aguardam ainda, se não uma “história”, pelo menos um “balanço” clarificador.
(4) “Anexo 1 ao Ciclo da Esmeralda” in O Gosto das Palavras, Col. Gaivota n9 31, Angra do Heroísmo, SREC, 1983, p. 90.
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Caldeira de Santo Cristo/São Jorge; foto vista na net há algum tempo sem referência ao seu autor

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