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apelo a favor de Rogério Silva/Gávea – 1971

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Uma entrevista com apelo a favor de Rogério Silva/Gávea – 3 de Janeiro de 1971

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Uma maneira diferente de estar nos Açores…

Este foi o título de uma fantástica entrevista que dei ao Club Asas do Atlântico em fins de 1970. A longa entrevista, que foi dita espontaneamente ao microfone de Victor Cruz, foi copiada directamente de uma fita de gravador na redacção do jornal sem qualquer colaboração da minha parte. Se lhe chamo fantástica não me refiro à oportunidade ou sequer ao duvidoso brilhantismo da mesma; refiro-me ao estado de espírito que me dominava nessa época face às movimentações artísticas e culturais que tive o prazer de compartilhar daquilo que apelido como “movimento Gávea/Glacial”.
Já para não falar na disponibilidade ainda mais fantástica de um diário (O “Açores” – no qual eu tenho o gosto de ter sido colaborador ) a ter transcrito com abertura de espírito e não pouco “frisson” para mim mesmo, e não só…
A utopia sem margens que evocava não teve o mínimo acolhimento prático, como é inerência de um mundo rochosamente apegado ao duro realismo das coisas “possíveis”, às coisas “convenientes”, em suma!…
Os semi-loucos, os visionários utópicos e os poetas – nas nuvens; e o resto da humanidade à sombra do penhasco frio, à hora tardia em que o sol perde presença e calor – assim é que tem sido sempre.
Isso de Nova Gávea faria lembrar quando muito o jogo de faz de conta da criança que vai pilotando o seu avião e atravessando nuvens, pelo chão da cozinha onde a jovem mãe faz o almoço.
O ponto essencial (não quero incomodar ninguém com a totalidade do que disse e foi relatado pela rádio e pelo jornal) julgo ter sido o apelo que fiz em favor de Rogério Silva, no sentido de que as suas dívidas fossem assumidas por alguém, para que o sonho da Gávea pudesse continuar a bater as suas asas.
Ná, não tinha sido inventada ainda a ferramenta dos patrocínios, do “sponsoring”, dos fundos comunitários (que não é bem para Gáveas que servem…) ou de outra qualquer coisa que os valesse!…
Rogério teve de descer do cesto da sua Gávea e os mastros ficaram sem olhares perscrutadores sabe-se lá por quanto tempo…

Moral deste pequena história verídica como se prova

A Gávea terminou, Rogério teve que emigrar, as dívidas foram pagas. Mas a minha consciência pelo menos ficou tranquila. Sou o autor, não afirmo se único porque não posso provar, de que houve quem falasse e sugerisse uma acção generosa e produtiva para que, pelo menos, não tivesse acabado, além de muito triste, completamente só.
Esta é a moralidade sem glória da glória possível que ficou do trabalho produtivo de Rogério Silva e do entusiasmo que chegou a produzir na época em que viveu.

A Nova Gávea – Uma maneira diferente de estar nos Açores

Coloco aqui só o sumário da entrevista que está confirmada na imagem de capa de “Açores”. O resto, e sou muito claro – por uma questão de pudor – não publico tudo. Apenas aquilo que disse a respeito de Rogério Silva:

  • Um desafio aos intelectuais dos Açores
  • Da necessidade de um estudo de sociologia cultural açoriana
  • As Ilhas fornecem condições particularmente propícias de fraternidade e comunicação
  • O arquipélago tem o dever de saber estar à altura do exemplo que nos lega Rogério Silva. As suas dívidas em dinheiro devem ser assumidas por nós !…
  • Rogério Silva e os seus colaboradores preparam a Primeira Exposição Retrospectiva da Gávea.

No futuro:

  • A Nova Gávea—uma manei­ra diferente de estar nos Açores.

breves extractos da longa e exaltada (exaltante?!…) entrevista:

“… as Ilhas como micro mundos, fornecem condições particularmente propí­cias, quase utópicas, de fraterni­dade e comunicação.
…onde seria possível no nos­so meio uma ocasião colectiva de milagre artístico como foi a desta última realização conjunta do Clube Asas / Programa Vertical — suplemento Literário Glacial — Galeria de Arte Gávea aqui em Santa Maria?
Vi toda uma população ir­manada no mesmo comovente es­forço de compreender, todos de mãos dadas e espírito atento ao mágico fenómeno da Arte.
Drama, nos Açores? Haverá talvez para uma classe obsessivamente preocupada com o seu (bom) senso, a sua elegância, os seus brinquedos de conforto, as suas futilidades, os seus complexos e as suas frustrações!…
(…)

A Galeria de Arte Gávea — iniciativa não comercial de generosa função didáctica e rendimento cultural óptimo

P.: Dentro dessa ordem de ideias a que nível insere o interesse que merece por exemplo, a acti­vidade da Galeria de Arte Gá­vea?

R.: Ora aí está uma ideia nasci­da do sentido puro da acção cultural, de generosidade genuína e — até ao presente — dum êxito que podemos considerar ao nível dos Açores e mesmo do país, francamente óptimo. Não vou detalhar os aspectos que esta acção tem revestido pois gostaria sinceramente de acreditar que nenhum homem na posse das suas faculdades — ao nível do arquipélago — se encontra alheio ao trabalho da Galeria de Arte Gávea.
O que é dizer de Rogério Silva, Carlos Faria, Lusa Silva. Roberto Nunes, João Ávila, Gouveia Filipe. João Carlos, Ivone Chinita. Álamo Oliveira, Laurindo Cabral, etc.
Mas será sem dúvida dizer e redizer antes de mais o nome de ROGÉRIO SILVA (…) pelo que tem procurado se­mear às mãos cheias por essas Ilhas além à custa de um sacrifí­cio ignorado e injusto.

As dívidas de Rogério são nossas…

Porquê injusto? Vejamos:
Rogério Silva vive exclusivamente do seu trabalho; como pode ter erigido um monumento de entusiás­tico amor ao homem sem pôr em risco a sua serenidade, o seu bem estar e o da família, dando às mãos cheias duma actividade profícua o que não só lhe rouba tempo para que dê curso livre ao seu labor de artista, como lhe impe­de de granjear os meios materiais que todos sabemos imprescindí­veis?!…
É óbvio que isso tem implica­do a assunção de compromissos que integralmente suporta sobre os seus ombros — com o sentido de responsabilidade que lhe é pe­culiar — mas que não se encon­tram satisfeitos.

O arquipélago tem o dever de estar à altura do exemplo que nos lega Rogério Silva.

Parece-me que é altura de reconhecer-se que: Ao iniciar a obra a que me­teu ombros R. S. tinha em men­te mais do que perpetuar um es­forço que fosse somente seu; pretendia dar um exemplo — provar de ciência certa a viabilidade e o valor duma experiência.
R.S. não pretendeu, ao ini­ciar a obra que todos nós comodamente contemplamos já de pé, acumular Glória na conta corrente das suas virtudes, nem as­sumir a falaciosa imagem dum Eusébio das Arte, Açorianas,
R.S. provou e comprovou, graças ao palmarés que já lhe co­nhecemos. que a Aventura, além de bela é POSSÍVEL.
As suas dívidas são nossas; os seus compromissos e os seus ideais são como outras tantas brasas acumuladas sobre as nossas cabeças e de que a nossa consci­ência cívica deverá saber dar contas. Em suma eu julgo que o Ar­quipélago, pois que R. S. não sa­be dimensionar-se à escala redu­zida duma só Ilha, tem o dever de estar à altura do exem­plo que nos lega.
(…)

Nota do entrevistado:

(Esta nota faz parte da notícia publicada no “Açores”)

Não falando do trabalho desinteressado dos colaboradores da Gávea, parece-me bastante com­prometedor o silêncio de muitos em relação ao esforço do Pintor, sendo de estranhar que tão pouco se tenho dito a esse respeito. Se exceptuarmos palavras já proferidas aos microfones do Clube Asas do Atlântico, um artigo no “Telégrafo” da Horta — não assi­nado— e outro nas colunas dos “Açores”, que sabemos da pena pertinente de Narciso do Vale, pouco ou nada se tem ouvido ou lido.
Ê irónico que a cidade de An­gra que tanto deve ao Artista se mantenha embora interessada, tão muda e queda no que respei­ta ao necessário auxílio. Será que Angra não conhece ainda os pro­blemas com que se debate o Ar­tista para levar a cabo a sua prestimosa intenção? Será que Angra não ponderou ao nível das atitu­des a importância que para si tem e terá o que Rogério Silva já fez e fará? Estará a cidade à espera de que alguém de fora tome a dian­teira, como pensamos poderá vir a acontecer? Será que só se jus­tifica o que se dá, quando al­guém pede? É estranho!…
A utilidade pública duma tare­fa conto a Galeria Gávea estende-se aos mais variados domínios. Para não entrar em enumerações, que me parecem supérfluas, (Quem há que não se tenha dado conta da importância de 32 exposições de artes plásticas e outros acontecimentos artísti­cos em escassos dois anos!…) basta-me mencionar por exemplo que além da importantíssima função didáctica, até o turismo de qualidade beneficia do género de infra estruturas culturais que a Galeria Gávea oferece e de que tão gritantemente carecemos.
A ter de continuar, repetimos, no âmbito dum esforço solitário mais vale que cesse a actividade de Rogério Silva. Melhor será que transforme a sua Galeria em mo­radia (e a ponha a render alguns “cobres” de que tanto necessita), e se ponha, como faria qualquer outro com o teu talen­to e qualidades de trabalho, a granjear um viver mais de acordo com o conforto burguês e a abastança que não conhece…

Mas se o fizer outra luz se apagará no horizonte…

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“Sermão aos pássaros – homenagem a Bertrand Russel” ou “A ave super Olímpica”, Costa Brites, desenho com aguadas de acrílico, 1970/Ponta Delgada.

Caros visitantes,

Esta entrevista que aqui me atrevo a publicar, ao fim de quase 44 anos, representa um momento raro – para mim quase absurdo ou quase sublime – da tontura oceânica provocada por Rogérios, Carlos Farias e outras determinações impossíveis de classificar. Mereceria pois uma comemoração e essa é, por conseguinte, outro atrevimento.
A imagem acima é tão inédita como tem sido confidencial a entrevista, sendo ambas da minha lavra e feitas no mesmo ano (1970).
É uma imagem, daquelas que o Carlos Faria um dia me trouxe para Coimbra, em pequenas fotografias a preto e branco, que eu agora tratei cromáticamente, dos trabalhos que fazia nos Açores. Essa pintura, esse “desenho” colorido, esse “formotema” – como foram baptizados os meus trabalhos açorianos por Carlos/Karlos – pode ter sido o nº 3 ou o nº 8 da minha exposição de Ponta Delgada, respectivamente “Sermão aos pássaros – homenagem a Bertrand Russel” ou “A ave super Olímpica”.

A ideia da “Nova Gávea” bem poderá ter sido um outro patético “Sermão aos pássaros” (no verdadeiro sentido do termo);
e “uma nova forma de estar nos Açores”, ou a assunção das dívidas de Rogério Silva para salvar a Gávea e para o redimir a ele (ou vice versa) não menos seria o levantar do voo de uma “Ave super Olímpica”.

A todos um grande abraço e, em cor pânica, os mais sinceros votos de surpresas arrebatadoras!…

Costa Brites

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