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Manifestos e balanços de Glacial (1967-1972)

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Fotografia de Jacques Guillard, 1969

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Textos-manifesto de Glacial

Textos que marcaram a personalidade e a estratégia cultural e artística do suplemento “Glacial” da autoria do seu coordenador, Carlos Faria.

Os textos aqui publicados foram vistos nas páginas nº 69 a 72 do Volume II, Anexo V, da tese de Lusa Maria de Melo Ponte: “Le supplément Glacial A União das Letras e das Artes (1967-1974) et l’affirmation du champ littéraire açorien”.

FLÂMULA

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número dois de GLACIAL – Flâmula

LER ESTE TEXTO ARREPIA A SÉRIO!…

porque arrepiou na altura em que foi escrito, e ainda arrepia agora!…

Ora façam favor:

14 FLAMULA

Texto “FLÂMULA” de Carlos Faria, publicado no GLACIAL nº 2, em 11 de Outubro de 1967, um dos mais importantes textos fundadores do carácter do suplemento. CLICAR PARA VER MAIOR.

uma página de ‘Literatura e Pensamento!’

Um arrepio enorme, glacial ! Uma página de Literatura e Pensamento, e nós com uma crise enorme de pensamento e literatura! Como vamos nós pagar este atrevimento? Fazendo eco da nossa penúria? Com uma literatura igual à agricultura do arquipélago? Exibindo nossos sachos e poemas? Mergulhando no passado, na saudade, no eu? Mas que tem a saudade o passado e o eu com o Universo a que temos obrigação e direito, se o futuro é a Estrada Larga, e o presente perdeu os dentes?
Proponho Esperança, desde que rememos !

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A uma página de artes e letras tudo interessa e todos os assuntos lhe são próprios!
Uma página de artes e letras não pode ser um cantinho de saudade e regionalismo, nem pode viver do balofo compadrio de compadres e comadres!
Uma página de artes e letras é um campo de combate e pensamento e o local onde deve ‘soar a hora’! Não pode ser um cemitério de ‘vivos’ ou um clarim a anunciar os mortos: Tem de ser a Vida, a arte, a presença responsável e a realidade!
Desejamos prevenir e afirmar que uma página literária dum jornal da Ilha Terceira, será uma Página Literária da Ilha Terceira, quando o for sem geografia! Isto é: aberta ao Diálogo Nacional e Universal!

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O Poeta Pedro da Silveira

Embora seja do conhecimento público por ter sido divulgado, nessa altura, na Imprensa local, não queremos nesta Página deixar de o apontar como exemplo que é: o Poeta Pedro da Silveira ofereceu em 1962, à Biblioteca Pública de Angra do Heroísmo a sua biblioteca particular que constava de cerca de três mil volumes! A isto chamamos nós uma doação de sangue: Espírito e Vida! Sobretudo quando se dá a uma Biblioteca pública, para uso público, toda uma propriedade moral e dignificante, como é a posse de livros de Arte e Cultura!
E fazer esta doação quando se é jovem, lúcido e Poeta de primeira fila, como no caso de Pedro da Silveira, mostra-se bem a virilidade dessa juventude, a nobreza humana dessa lucidez , a pureza desse vanguardismo!
Não nos surpreende este gesto pois corresponde ao Poeta que há em Pedro da Silveira! Até porque está com o nosso sentido de arte o exemplo que o Poeta dá como Homem
e que o Homem deve dar como Poeta! Consideramos Pedro da Silveira o maior poeta açoriano vivo, poeta duma linhagem humana e artística que pela mensagem social e artística sucede a Antero! Com este reconhecimento desejamos dar a lume a concepção de poesia e arte que nos norteia dentro desta página de literatura e pensamento. E afirmarmos isto equivale a dizer: está aberto o Diálogo!

Carlos Faria, « Flâmula », GLACIAL, n.° 2, 11-10-1967

GLACIAL

Só quando tudo é de todos é que os homens são irmãos: é a justiça que o amor impõe!

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Uma das mensagens fundadoras de “GLACIAL – a união das letras e das artes”, publicada por Carlos Faria no 4º número do suplemento de 23 de Dezembro de 1967

Glacial tem uma bússola própria: Norte são os quatro pontos cardeais! Este simbolismo tem a seguinte tradução: a arte é o homem, e o homem está em todos os lados de qualquer orientação humana!
Hoje ‘Glacial’ insere uma viagem inter-ilhas com um barco inafundável : a poesia – nas vozes de poetas de seis arquipélagos !
O mar é caminho: contra a distância, e sem geografia política!
Um homem que olha para o mapa-mundo deve sentir uma grande alegria ao verificar, para a Liberdade, que dois terços da sua superfície são de água! Fora dos limites das seis milhas convencionais, nos oceanos é que é UNIVERSO!
O mar é de todos. Só quando tudo é de todos é que os homens são irmãos: é a justiça que o amor impõe!
O mar é o mundo mais vasto deste mundo! É em função desta concepção Universal que hoje publicamos poesias de poetas de nacionalidades e etnias diferentes.

« Glacial », GLACIAL, n° 4, 23-12-1967

PUM***

Precisamos mestres com 18 anos! « Glacial » é calor.

PUM!... publicado no Glacial nº 10 de 13 de Abril de 1968

PUM!… publicado no Glacial nº 10 de 13 de Abril de 1968

« Glacial » regista hoje a presença de outro jovem: Gil Reis. Ao contrário do que acontece, de uma maneira geral, nos suplementos literários dos jornais, «Glacial» é de todos.
Não há totobola neste suplemento literário. Aceitamos a hipótese do XIS e repudiamos a tripla do 1X2, a que chamamos certeza pânica… Nem Gary Cooper é o herói do nosso filme, nem temos um conceito «privado» daquilo que é público.
Desde que o umbigo não seja o centro do sistema planetário do poeta, aceitamos toda a colaboração.
Precisamos mestres com 18 anos! « Glacial » é calor.

NOTA
“…“Glacial é calor”, escreveu Carlos Faria no texto “Pum***”, em que apresentou um dos jovens que respondeu ao apelo lançado em “Uma Página Juvenil”, acrescentando que, contrariamente ao que se passava nos outros suplementos literários, Glacial pertencia a todos menos aos que se julgavam o centro do mundo…”

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Textos-balanço de Glacial

GLACIAL

Acusamo-nos a nós próprios de não termos pecado por excesso! Temos sido leves, subtis, e o nosso pânico – confessamos – tem sido tranquilo. «Glacial» está cheio de remorsos e de um certo tipo de virtudes, como convém a qualquer frio por aquecer.

Quase com dois anos de actividade – frontal e aberta! – chegámos à conclusão de que somos uma espécie de ostra doida: abrimo-nos por dentro e fechamo-nos por fora! Nossas pérolas: foi estarmos pouco mais do que sozinhos, animados só por um movimento de boa vontade interna! Aonde queremos chegar?
Bom: não nos tem sido enviada colaboração e, embora já com amigos nos dois arquipélagos – e no fantástico e cada vez mais distante continente! – estamos sozinhos e nus!… Tem sido inverno. Dois anos a mourejar. Dois anos a solicitar colaboração. E nada. Todavia, os intelectuais e artistas do Arquélago têm as gavetas cheias de originais! Basta de arca: mandem-nos colaboração, please! Claro que não publicamos tudo e faremos uma selecção, mas publicaremos certamente aquilo que for exemplo de mensagem artística e social!
E os jovens? Contactem conosco! Mandem-nos tudo e nós cuidaremos da selecção. Valeu? Não há qualquer paternalismo ou vontade de ser agradável à juventude só por ser agradável… Queremos a vossa presença na justa decisão de que o único porto da viagem é o Futuro!
Uma feição surrealista dada a «Glacial» não desmente que estamos cheios de vontade. e humor. O Surrealismo é um realismo permanente e novo!
Acusamo-nos a nós próprios de não termos pecado por excesso! Temos sido leves, subtis, e o nosso pânico – confessamos – tem sido tranquilo. «Glacial» está cheio de remorsos e de um certo tipo de virtudes, como convém a qualquer frio por aquecer.
Pedimos, de altos joelhos erguidos, que nos enviem colaboração!

« Glacial », in Glacial, n° 28, 16-4-69

GLACIAL

GLACIAL não foi o Sintoma, mas o registo do Sintoma, da arte como pão que morde!

« Glacial » completou em Outubro cinco anos de publicação. Passaram-se estes anos tão rapidamente que só há dias demos por isso. Talvez por nos encontrarmos na fase experimental e naquele amadorismo de ir fazendo gota-a-gota: poema, coragem, dever, cultura, esperança. A nossa maior preocupação foi a juventude. Sem favor. Por dever e convicção. Pela grande razão, histórica, do homem interessado na cultura, na sociedade, na paz, na justiça: o futuro!
Estamos a entrar no último quartel do século XX. E também nós nos Açores, embora custe a alguns terem de datar as suas datas e os seus remorsos, com o ano de 1972 – e este já no fim!
Está mais longe o suicídio de Antero do que a proibição das Conferências do Casino. Quando o coordenador de um suplemento literário sabe e crê nisto, o problema cresce, mas a esperança avança mais.
O Arquipélago está mais rico e mais novo. Sobretudo de juventude e de consciência de juventude. Se já dominaram culturalmente o arquipélago, ao longo da sua história, gerações de velhos ou de passadistas, nunca como agora o presente foi tão futuro!
As gerações devem passar a ser contadas de 15 em 15 anos e não de vinte em vinte. Daí o poder-se dizer que, embora jovens ambos, são de duas gerações diferentes, por exemplo, António José da Cunha Ribeiro (« Rapaz com um Búzio ») e José Henrique Santos Barros (« Imagem Fulminante »).
A moderna literatura açoriana tem em Vitorino Nemésio o seu primeiro nome e em Cunha Ribeiro o último (até agora publicado e revelado). Nemésio com 70 anos e Cunha Ribeiro com 14 anos. De notar que « Limite de Idade », livro de poemas publicado este ano por Nemésio e « Rapaz com um Búzio », de Cunha Ribeiro possuem estética e temática juvenil e actual. Isto em literatura. Em artes plásticas o movimento não é menor na sua explosão estética, social e de consciência de arte entre os jovens pintores aparecidos.
A poesia novíssima que vem desde Eduíno de Jesus e Pedro da Silveira, mostra-se, com Emanuel Félix, no ponto alto que em Angra havia de culminar em valor e criação. E ainda outra geração, esta nascida depois de 1945. Poetas como: Santos Barros, Ivone Chinita, Rui Rodrigues, Marcolino Candeias, Borges Martins, Onésimo Teotónio, J. Álamo, Urbano Bettencourt, Vasco Costa e Cunha Ribeiro.
GLACIAL não foi o Sintoma, mas o registo do Sintoma, da arte como pão que morde!

O Coordenador , « Glacial », in Glacial, n° 83, 17-11-72

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Fotografia de Jacques Guillard, 1969

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