.
Textos-manifesto de Glacial
Textos que marcaram a personalidade e a estratégia cultural e artística do suplemento “Glacial” da autoria do seu coordenador, Carlos Faria.
Os textos aqui publicados foram vistos nas páginas nº 69 a 72 do Volume II, Anexo V, da tese de Lusa Maria de Melo Ponte: “Le supplément Glacial A União das Letras e das Artes (1967-1974) et l’affirmation du champ littéraire açorien”.
FLÂMULA
.
número dois de GLACIAL – Flâmula
LER ESTE TEXTO ARREPIA A SÉRIO!…
porque arrepiou na altura em que foi escrito, e ainda arrepia agora!…
Ora façam favor:
uma página de ‘Literatura e Pensamento!’
Um arrepio enorme, glacial ! Uma página de Literatura e Pensamento, e nós com uma crise enorme de pensamento e literatura! Como vamos nós pagar este atrevimento? Fazendo eco da nossa penúria? Com uma literatura igual à agricultura do arquipélago? Exibindo nossos sachos e poemas? Mergulhando no passado, na saudade, no eu? Mas que tem a saudade o passado e o eu com o Universo a que temos obrigação e direito, se o futuro é a Estrada Larga, e o presente perdeu os dentes?
Proponho Esperança, desde que rememos !
* * *
A uma página de artes e letras tudo interessa e todos os assuntos lhe são próprios!
Uma página de artes e letras não pode ser um cantinho de saudade e regionalismo, nem pode viver do balofo compadrio de compadres e comadres!
Uma página de artes e letras é um campo de combate e pensamento e o local onde deve ‘soar a hora’! Não pode ser um cemitério de ‘vivos’ ou um clarim a anunciar os mortos: Tem de ser a Vida, a arte, a presença responsável e a realidade!
Desejamos prevenir e afirmar que uma página literária dum jornal da Ilha Terceira, será uma Página Literária da Ilha Terceira, quando o for sem geografia! Isto é: aberta ao Diálogo Nacional e Universal!
* * *
O Poeta Pedro da Silveira
Embora seja do conhecimento público por ter sido divulgado, nessa altura, na Imprensa local, não queremos nesta Página deixar de o apontar como exemplo que é: o Poeta Pedro da Silveira ofereceu em 1962, à Biblioteca Pública de Angra do Heroísmo a sua biblioteca particular que constava de cerca de três mil volumes! A isto chamamos nós uma doação de sangue: Espírito e Vida! Sobretudo quando se dá a uma Biblioteca pública, para uso público, toda uma propriedade moral e dignificante, como é a posse de livros de Arte e Cultura!
E fazer esta doação quando se é jovem, lúcido e Poeta de primeira fila, como no caso de Pedro da Silveira, mostra-se bem a virilidade dessa juventude, a nobreza humana dessa lucidez , a pureza desse vanguardismo!
Não nos surpreende este gesto pois corresponde ao Poeta que há em Pedro da Silveira! Até porque está com o nosso sentido de arte o exemplo que o Poeta dá como Homem
e que o Homem deve dar como Poeta! Consideramos Pedro da Silveira o maior poeta açoriano vivo, poeta duma linhagem humana e artística que pela mensagem social e artística sucede a Antero! Com este reconhecimento desejamos dar a lume a concepção de poesia e arte que nos norteia dentro desta página de literatura e pensamento. E afirmarmos isto equivale a dizer: está aberto o Diálogo!
Carlos Faria, « Flâmula », GLACIAL, n.° 2, 11-10-1967
GLACIAL
Só quando tudo é de todos é que os homens são irmãos: é a justiça que o amor impõe!
Glacial tem uma bússola própria: Norte são os quatro pontos cardeais! Este simbolismo tem a seguinte tradução: a arte é o homem, e o homem está em todos os lados de qualquer orientação humana!
Hoje ‘Glacial’ insere uma viagem inter-ilhas com um barco inafundável : a poesia – nas vozes de poetas de seis arquipélagos !
O mar é caminho: contra a distância, e sem geografia política!
Um homem que olha para o mapa-mundo deve sentir uma grande alegria ao verificar, para a Liberdade, que dois terços da sua superfície são de água! Fora dos limites das seis milhas convencionais, nos oceanos é que é UNIVERSO!
O mar é de todos. Só quando tudo é de todos é que os homens são irmãos: é a justiça que o amor impõe!
O mar é o mundo mais vasto deste mundo! É em função desta concepção Universal que hoje publicamos poesias de poetas de nacionalidades e etnias diferentes.
« Glacial », GLACIAL, n° 4, 23-12-1967
PUM***
Precisamos mestres com 18 anos! « Glacial » é calor.
« Glacial » regista hoje a presença de outro jovem: Gil Reis. Ao contrário do que acontece, de uma maneira geral, nos suplementos literários dos jornais, «Glacial» é de todos.
Não há totobola neste suplemento literário. Aceitamos a hipótese do XIS e repudiamos a tripla do 1X2, a que chamamos certeza pânica… Nem Gary Cooper é o herói do nosso filme, nem temos um conceito «privado» daquilo que é público.
Desde que o umbigo não seja o centro do sistema planetário do poeta, aceitamos toda a colaboração.
Precisamos mestres com 18 anos! « Glacial » é calor.
NOTA
“…“Glacial é calor”, escreveu Carlos Faria no texto “Pum***”, em que apresentou um dos jovens que respondeu ao apelo lançado em “Uma Página Juvenil”, acrescentando que, contrariamente ao que se passava nos outros suplementos literários, Glacial pertencia a todos menos aos que se julgavam o centro do mundo…”
.
Textos-balanço de Glacial
GLACIAL
Acusamo-nos a nós próprios de não termos pecado por excesso! Temos sido leves, subtis, e o nosso pânico – confessamos – tem sido tranquilo. «Glacial» está cheio de remorsos e de um certo tipo de virtudes, como convém a qualquer frio por aquecer.
Quase com dois anos de actividade – frontal e aberta! – chegámos à conclusão de que somos uma espécie de ostra doida: abrimo-nos por dentro e fechamo-nos por fora! Nossas pérolas: foi estarmos pouco mais do que sozinhos, animados só por um movimento de boa vontade interna! Aonde queremos chegar?
Bom: não nos tem sido enviada colaboração e, embora já com amigos nos dois arquipélagos – e no fantástico e cada vez mais distante continente! – estamos sozinhos e nus!… Tem sido inverno. Dois anos a mourejar. Dois anos a solicitar colaboração. E nada. Todavia, os intelectuais e artistas do Arquélago têm as gavetas cheias de originais! Basta de arca: mandem-nos colaboração, please! Claro que não publicamos tudo e faremos uma selecção, mas publicaremos certamente aquilo que for exemplo de mensagem artística e social!
E os jovens? Contactem conosco! Mandem-nos tudo e nós cuidaremos da selecção. Valeu? Não há qualquer paternalismo ou vontade de ser agradável à juventude só por ser agradável… Queremos a vossa presença na justa decisão de que o único porto da viagem é o Futuro!
Uma feição surrealista dada a «Glacial» não desmente que estamos cheios de vontade. e humor. O Surrealismo é um realismo permanente e novo!
Acusamo-nos a nós próprios de não termos pecado por excesso! Temos sido leves, subtis, e o nosso pânico – confessamos – tem sido tranquilo. «Glacial» está cheio de remorsos e de um certo tipo de virtudes, como convém a qualquer frio por aquecer.
Pedimos, de altos joelhos erguidos, que nos enviem colaboração!
« Glacial », in Glacial, n° 28, 16-4-69
GLACIAL
GLACIAL não foi o Sintoma, mas o registo do Sintoma, da arte como pão que morde!
« Glacial » completou em Outubro cinco anos de publicação. Passaram-se estes anos tão rapidamente que só há dias demos por isso. Talvez por nos encontrarmos na fase experimental e naquele amadorismo de ir fazendo gota-a-gota: poema, coragem, dever, cultura, esperança. A nossa maior preocupação foi a juventude. Sem favor. Por dever e convicção. Pela grande razão, histórica, do homem interessado na cultura, na sociedade, na paz, na justiça: o futuro!
Estamos a entrar no último quartel do século XX. E também nós nos Açores, embora custe a alguns terem de datar as suas datas e os seus remorsos, com o ano de 1972 – e este já no fim!
Está mais longe o suicídio de Antero do que a proibição das Conferências do Casino. Quando o coordenador de um suplemento literário sabe e crê nisto, o problema cresce, mas a esperança avança mais.
O Arquipélago está mais rico e mais novo. Sobretudo de juventude e de consciência de juventude. Se já dominaram culturalmente o arquipélago, ao longo da sua história, gerações de velhos ou de passadistas, nunca como agora o presente foi tão futuro!
As gerações devem passar a ser contadas de 15 em 15 anos e não de vinte em vinte. Daí o poder-se dizer que, embora jovens ambos, são de duas gerações diferentes, por exemplo, António José da Cunha Ribeiro (« Rapaz com um Búzio ») e José Henrique Santos Barros (« Imagem Fulminante »).
A moderna literatura açoriana tem em Vitorino Nemésio o seu primeiro nome e em Cunha Ribeiro o último (até agora publicado e revelado). Nemésio com 70 anos e Cunha Ribeiro com 14 anos. De notar que « Limite de Idade », livro de poemas publicado este ano por Nemésio e « Rapaz com um Búzio », de Cunha Ribeiro possuem estética e temática juvenil e actual. Isto em literatura. Em artes plásticas o movimento não é menor na sua explosão estética, social e de consciência de arte entre os jovens pintores aparecidos.
A poesia novíssima que vem desde Eduíno de Jesus e Pedro da Silveira, mostra-se, com Emanuel Félix, no ponto alto que em Angra havia de culminar em valor e criação. E ainda outra geração, esta nascida depois de 1945. Poetas como: Santos Barros, Ivone Chinita, Rui Rodrigues, Marcolino Candeias, Borges Martins, Onésimo Teotónio, J. Álamo, Urbano Bettencourt, Vasco Costa e Cunha Ribeiro.
GLACIAL não foi o Sintoma, mas o registo do Sintoma, da arte como pão que morde!
O Coordenador , « Glacial », in Glacial, n° 83, 17-11-72
.
.
.
.
.
.
.
..
.
.